Por Milena do Carmo, Diretora de Programas, Instituto Equimundo
Sucumbindo às pressões da base conservadora do Congresso Nacional, o Ministério da Educação (MEC) está prestes a aprovar mais um retrocesso na equidade de gênero nas escolas.
No início de abril de 2017, foi proposta a retirada dos termos “orientação sexual” e “identidade de gênero” da Base Nacional Comum Curricular (Base Nacional Comum Curricular, ou BNCC) para o ensino fundamental – a diretriz para o conteúdo das salas de aula no Brasil.
A proposta foi oficialmente entregue em 6 de abril ao Conselho Nacional de Educação (CNE), que preparará uma resposta para o Ministério da Educação aprovar e, eventualmente, implementar.
Além da retirada desses termos da sala de aula, segundo o Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT (Conselho Nacional de Combate à Discriminação de LGBT, ou CNCD/LGBT), um padrão separado que garante o uso de banheiros, vestiários e outros espaços neutros em termos de gênero (quando possível) e de acordo com a identidade de gênero de cada indivíduo, também foi eliminado.
Políticas como essa evidenciam um preconceito profundamente arraigado contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e/ou intersexuais (LGBTI). Não por acaso, o Brasil tem a maior taxa de assassinatos de pessoas LGBTI do mundo, com uma morte a cada 26 horas.
Nos últimos três anos, houve uma série de retrocessos em relação à diversidade e igualdade de gênero nas escolas. A palavra “gênero” foi retirada dos planos municipais e estaduais de educação. O Projeto Escola Sem Partido (Projeto Escola Sem Partido) continua a ameaçar as liberdades civis, a liberdade acadêmica e a liberdade de expressão. Há até uma "fiscalização" de salas de aula por vereadores na rede municipal de São Paulo para garantir que a "ideologia de gênero" – termo erroneamente aplicado ao respeito à diversidade de gênero e à promoção da equidade – não seja disseminada.
A exclusão dos termos “orientação sexual” e “identidade de gênero” da educação é contrária à recomendação de 2015 do Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que recomenda que a legislação proíba a discriminação e a violência com base na orientação sexual e na identidade de gênero. De fato, essa discriminação de gênero e sexualidade no Brasil tem sido denunciada pelas Nações Unidas, bem como por outros organismos que promovem a proteção internacional dos direitos humanos.
Em resposta a essas ameaças à igualdade e à diversidade, e em apoio ao envolvimento dos jovens em estratégias de promoção da igualdade de gênero, a Equimundo atua desde setembro de 2016 em nove escolas do Brasil com alunos (de 13 a 19 anos), adultos da Educação de Jovens e Adultos do Brasil (Educação de Jovens e Adultos, ou EJA) e profissionais da educação por meio do Juventude Vivendo a Paz projeto.
A metodologia Juventude Vivendo a Paz foi desenvolvida em parceria com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Em oficinas em grupo, os participantes discutem temas como gênero, raça e etnia, relacionamentos, comunicação não violenta e diversidade.
Durante 2017, o programa Juventude Vivendo a Paz expandiu-se significativamente nas escolas do Rio de Janeiro, inclusive por meio do aumento do envolvimento da gestão escolar no projeto, da participação voluntária de profissionais da educação e da participação dos participantes em workshops.
Ao final do semestre, cada escola organiza uma campanha comunitária para compartilhar o que foi aprendido ao longo do semestre. Em dezembro de 2016, as escolas participantes adaptaram uma versão do projeto. Campanha “Sem Vergonha”, promovendo a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos. Em 2017, cada escola se concentrará no tema que melhor se alinha aos seus objetivos para o ano.
Na primeira rodada de turmas, em 2016, participaram 146 estudantes e 38 profissionais da educação no Rio de Janeiro, incluindo os bairros Água Santa, Bangu, Centro, Riachuelo, Santa Teresa e Tijuca.
Com base em uma avaliação de impacto realizada pela Equimundo, os participantes aprimoraram sua compreensão sobre violência de gênero e racial e como preveni-la. Os participantes conseguiram identificar um número maior de comportamentos agressivos nas escolas como violência e, posteriormente, denunciá-los; também ampliaram seu conhecimento sobre exploração sexual de crianças e adolescentes, bem como sobre a necessidade de dividir o trabalho de cuidado não remunerado de forma mais equitativa entre homens e mulheres. A avaliação de impacto revelou a necessidade de uma abordagem mais centrada no gênero para prevenir o uso das mídias sociais como mecanismo de controle e a violência psicológica, e para incentivar o uso de métodos contraceptivos para a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
O projeto Juventude Vivendo a Paz está agora no final da sua segunda rodada de grupos, após a qual o currículo será publicado para compartilhar as lições aprendidas e sistematizar as atividades para uso futuro. Os educadores poderão então expandir o trabalho para outras escolas para promover a prevenção da violência de gênero e raça.