
Por Tatiana Moura
Publicado originalmente em A Conversa
No meio da escrita deste artigo, no bairro boêmio da Lapa, no Rio de Janeiro, ouvimos: o som do gás lacrimogêneo a polícia de choque reprimiu protestos em massa contra duras medidas de austeridade propostas pelo governo conservador brasileiro, que já dura três meses.
O chamado “Ponte para o Futuro“a política, se aprovada, imporia uma teto de gastos de 20 anos, congelando o orçamento federal, mas para aumentos baseados na inflação. De 2017 a 2037, não um centavo mais para a saúde pública, educação, redução da pobreza ou desenvolvimento infantil, entre outros. outros programas sociais.
Os cortes generalizados prejudicam todos, mas a história mostra que eles bater nas mulheres com particular força. Encarregadas de alimentar e cuidar de suas famílias sem qualquer apoio governamental, as mulheres enfrentam dupla ou tripla sobrecarga de trabalho. Regimes de austeridade também têm sido associados a aumento da violência doméstica.
Mulheres numa encruzilhada
Esta ameaça ao bem-estar económico, social e político das mulheres surge na sequência de ganhos significativos obtidos durante a próspera década passada, quando o Brasil se orgulhava de coloque o “B” no BRICS.
Em 2006, o país legislação aprovada proteger as mulheres contra a violência doméstica, enquanto o programa de transferência condicionada de dinheiro Bolsa Família, direcionado principalmente às mulheres chefes de família, aumentou o empoderamento econômico e o poder de tomada de decisão das mulheres.
Em 2010, o Brasil elegeu sua primeira mulher presidenteDilma Rousseff. Ela foi reeleita quatro anos depois. De 2014 a 2015, o Brasil subiu da 97ª para a 75ª posição no ranking rankings globais de igualdade de gênero.
Como pesquisadores de gênero, sabíamos que a verdadeira igualdade ainda estava longe. Por exemplo, em números absolutos, o Brasil ocupa o 4º lugar no mundo em casamento infantil. Mas recentemente foi possível pensar que estávamos caminhando nessa direção, que meninas e mulheres realmente importam.
À medida que os movimentos sociais no Brasil e em toda a América Latina forçaram estas questões a entrar nas agendas globais através protestos de rua e hashtags, a qualidade de género é cada vez mais a mensagem oficial de as Nações Unidas, governos e o setor empresarial.
Fora com as mulheres, dentro com os homens brancos
As ameaças à melhoria da igualdade de gênero no Brasil não são apenas econômicas. Elas também se refletem no mais alto nível da política.
Assim como o mundo ficou surpreso que Donald Trump – um homem que tem se gabou sobre “agarrar mulheres pela xoxota” – venceu as eleições nos Estados Unidos sobre a extremamente qualificada ex-secretária de Estado Hillary Clinton, neste ano o Brasil também viu sua presidência ser entregue a um homem.
Em agosto de 2016, Rousseff foi expulso por incompetência e práticas contábeis suspeitas. Com suas óbvias dimensões de gênero, o processo de impeachment foi caracterizado por muitos como um “caça às bruxas”.
Durante o julgamento de Rousseff no Congresso, os legisladores homens votaram contra o uso de linguagem condescendente (“adeus, minha querida”) e palavras de felicitações à unidade militar que tinha torturou Dilma Rousseff durante a ditadura brasileira.
Muitos dos colegas homens que forçaram a saída de Rousseff estavam também sob investigação por irregularidades maiores – incluindo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que foi preso por corrupção em outubro.
O substituto de Dilma, seu vice-presidente Michel Temer, é um cristão evangélico conservador aliado à poderosa direita religiosa do Congresso. Após assumir o poder em agosto de 2016, ele nomeou um gabinete totalmente branco e exclusivamente masculino – o primeiro governo desse tipo desde 1979. Temer também eliminou os cargos de Ministra da Mulher e Ministra da Igualdade Racial, embora o clamor público o tenha forçado a recuar.
As eleições para prefeito no Brasil em outubro e novembro mostraram uma guinada semelhante para a direita. O Rio de Janeiro optou por o ex-bispo pentecostal Marcelo Crivella para administrar a cidade notoriamente diversa, enquanto São Paulo elege empresário conservador milionário João Doria.
Os eventos políticos do último ano demonstram uma clara reação às conquistas modernas em termos de igualdade e justiça social. Na mídia e na igreja, nos negócios e na política, o mito do direito branco, masculino e cristão persiste, e deixou muitos cidadãos sentindo-se irritado e marginalizado na última década.
Os direitos das mulheres e a igualdade de gênero não são prioridade para o presidente Temer nem para os prefeitos Crivella e Doria. Aborto, que continua ilegal no Brasil exceto em casos excepcionais, não está em discussão. Estão agora a ser feitos planos para cortar a licença de maternidade remunerada – e isto apesar de o país ter recentemente prorrogado licença-paternidade.
A redução se estende à educação. Escolas públicas em oito estados proibiram currículos que incluem lições sobre gênero e a proposta do Ministério da Educação “Escolas sem Partidos Políticos"a política proibiria discussões políticas abertas nas salas de aula.
Tais reformas prejudicariam qualquer tentativa de despertar reflexões críticas sobre igualdade e justiça entre os jovens em um momento em que isso é extremamente necessário.
Um tempo para novas masculinidades
Durante o três anos de protestos em massa no Brasil que levou à queda de Dilma Rousseff, tem sido comum ouvir apelos por um governo militar. A ditadura é uma lembrança não muito distante por aqui, tendo terminado apenas em 1985.
Modelos militarizados de masculinidade ainda influenciam a cultura cotidiana brasileira, promovendo agressões e violência. Quase 60 mil pessoas são assassinados a cada ano, a grande maioria deles jovens negros de bairros pobres. Aqui, como nos EUA, o legado da escravidão e as desigualdades estruturais persistentes significam que os jovens negros são encarcerados desproporcionalmente e três vezes mais probabilidade de ser baleado por civis armados e policiais “em legítima defesa”, mesmo quando desarmado.
A masculinidade militarizada também contribui para problemas de saúde mental para meninos e homens, incluindo taxas elevadas de suicídio, aumento do uso da violência (como a que se vê todos os dias) nas favelas do Rio) e uma falta de relacionamentos emocionalmente satisfatórios.
O bem-estar das mulheres depende da mudança de percepções sobre a identidade masculina. De acordo com nossa pesquisaHomens que adotam atitudes mais equitativas em termos de gênero são menos propensos à violência e mais propensos a buscar cuidados preventivos de saúde. Também são mais propensos a serem pais engajados e a ter relacionamentos familiares satisfatórios. Esse desempenho masculino positivo, talvez sem surpresa, melhora os resultados escolares e de saúde de filhas e parceiras.
Como os millennials em todo o mundo, os brasileiros mais jovens tendem a ter visões mais progressistas sobre gênero. Como vimos em “Primavera Feminista” Nos protestos, os homens estão dispostos a assumir uma posição pública contra o sexismo, o racismo e a xenofobia.
Isso é crucial. Para neutralizar a narrativa dominante negativa imposta pela nova era da política brasileira, mais chefes, colegas, amigos e familiares do sexo masculino precisam contestar a linguagem e as ações sexistas (para não mencionar racistas e xenófobas).
Os eventos políticos de 2016 mostraram que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para desafiar uma cultura que exclui as mulheres e confunde masculinidade com dominação, poder, controle e agressão. Fim casamento infantil seria um bom lugar para começar.
A médio prazo, o governo brasileiro precisa garantir que suas "pontes para o futuro" sejam construídas também para mulheres e meninas. Para citar a grande feminista radical americana Angela Davis, devemos sempre tentar ajudar os outros enquanto subimos.
Este artigo foi coautor de Victoria Page, consultora internacional do Instituto Equimundo, Brasil.
 
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